sábado, 17 de novembro de 2012

espinha de asas


estico-me
no espaço
que se adentra
pela coluna.
vértebras
crescem
disparadas
para distância
que foge dos olhos.
sou
por ora
inconstância
abertura
rastro
de um pouso
movimento.
faço
na ausência
da própria sombra
o voo.

minha natureza é dispersa
comida para vento.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

prelúdio


cigarras anunciam a primavera
como se em mim cantassem
flores guardadas
à espera.
ei de repousar o corpo
como quem deita
sob os escritos inacabados
de um poeta
que ultrapassam minha pele
para serem meus
enquanto reparo nas gotas
faz  chuva
e a tinta escorre
mancha
em mim
as palavras
de suas gavetas
doravante
minhas
letras
registros
da marca
entreaberta
só faz
florir.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012


fazer do meu corpo a cartografia
de desejos
daquilo que é o sempre
constante
e tão inalcançável
a fim de rastrear
ler
o desconhecido
em mim habitado
tornar concreto
o impalpável
da semente
da essência
calcular a distância
de um ponto até o outro
a fim de escolher caminho
para dentro
do abismo
ao espiral infinito.
mas é possível saber
quando tocamos o limite?
se o sempre inalcançável
torna-se por ora
cabível
e no segundo instante,
torna-se novamente
incalculável
ei de medir o meu tamanho
que desconheço
para escolher o meu destino?
pois não há como medir
o fluido
do rio interno
que corre em minhas margens
ei de debruçar rumo ao sentido
Ser, de fato, toda a  paisagem
ir,
voltar
permanecer
pedra
porém sem sua qualidade estática
porque quebro-me com a força da água
triturada pelas linhas
ir além
de diversos pontos de meu mapa
codificar os rastros
em
Pele. 
Pedra.
Água.
sou
criatura
feita pelas partículas
que navega
em seu movimento
de tão pequenas
medidas
faço do trajeto invisível
a meus olhos
que se tornam também,
cegos e inundados
no fluxo
interrupto
serei íntegra
ao mundo
quando todas as pequenezas
se tornarem 
absolutas
pelo seu conjunto
meus fragmentos 
serão areias
no lugar dissolvido
desconjuntado
que será meu corpo
inúmeras
e cada vez
menores,
minúsculos
pontos
como letras ilegíveis 
e incontáveis 







sábado, 22 de setembro de 2012

uma pausa



chegar
no grau zero.
desfolhar
com os dentes
o desconhecido
a fim de sugar
o que é substancial

tratar com intimidade 
o medo
ter olhos de voueyr
sob a paisagem que me insere
no hoje
para 
flexibilizar as medidas
me estender
transbordar
no âmago
 ser
o dentro
e  o fora
da pele
ao mesmo tempo

mergulho
ao lado do intransponível
dançar no sempre fluxo
ao invés de combatê-lo. .


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Para Hilda Hilst


às vezes, quando
esse sentimento
inquieto
me toma
culpo
a ignorância,
bicho/traça
parasita
sanguessuga
que carrego
comigo
justamente
por não saber
meto-me
no sempre
desconhecido
espiral no estômago
descarregamento
de ideias
diarreia do verbo
escapam
a todo sentido
fogem
arredias
brotam da pele,
atravessam o suor
pulam do ouvido.
e voltam pra boca
sistema externo sanguíneo
daquilo que me devora
forças, cantos, gritos
que vão
e voltam
ciclo infinito
portanto
Clamo Hilst
componha
ou passe a faca,
Hilda,
mate.
toda a fome da noite
e o zumbido


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Cabe dizer
que eu caberia em ti
se acaso
tu coubesses
em mim
mesmo
que do lado
           
               talvez
               quem sabe
               uma cobertura
               ou telhado
               poderia nos caber

               inteiros
               ou um cado
               da gente
                          assim
               sob um
               acobertado
               que seria nosso
               com-par-ti-
                               lhado
com?
par? ou para?
ti..


duas peças
descartáveis
dispensáveis
caberiam em si?

Há de caber minha loucura
em sua insanidade?
como encaixar tamanhos inigualáveis?
e mesmo que tais peças se colassem
seria excesso e não metade
não caibo em ti
porque não me caibo
deslizo
des-caso
por isso 
sempre
descaibo 
em mim
peça invertida
variável
desmedida
incabível
em seu tablado.



      


segunda-feira, 2 de julho de 2012


És todo o exposto
oculto impossível
Dos pés ao rosto
poesia perecível
És a tinta
e o esboço
Da pintura estriada
descabida
Fora de moldura
retas, traços
curvaturas
Que distinguem
Tu
obra tão inigualável
de essência revestida
Que te tornas moldável
pelas diretrizes do tempo
O que dizes?
Quando te reescrevo?
Eu temo
Pela tua pintura
Escrita
Em alto relevo
apenas não me contenho
Preciso compor em ti
e por ti
Pele
Face de meu segredo
Tão revelado
Que toca o que é de dentro
da mesma forma quando te leio
Prescrita em outro monumento
outro que não esconde
a alma e seu retrato
posto que se tornas por ti
pele
puro devir
de um presente- passado
quando toco
histórias
marcas
pecados
São tuas...
Somente tuas...
Poesias
De puro tato.



sábado, 16 de junho de 2012

Apolo e Dionísio

falta que tenho de mim
desatinada
os cabelos sempre ao vento
madrugadas de boemia e boemia
todos os amores
sempre tantos
em tanta demasia
misturados
sofridos
mastigados
em histórias recortadas
presas em meus vestidos
falta que tenho
daquele sopro de leveza
ar que me carregava
doce fortaleza
que, mesmo quando me traía
e me derrubava
com o mesmo sopro de força
me erguia
me lançava
procuro por ti ainda
leveza sombria
de minha morada
metade de mim
sou eu
desvairada



Ela desatinou - Chico Buarque

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Labor



Esse é um trabalho realizado pela Cia Mar de Leite, que foi apresentado na Semana de Artes da UFOP e no Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana 2011.
É com imenso carinho que deixo disponível aqui no blog.

Atuaçâo: Camila Duarte
Direção: Bárbara Carbogim
Dramaturgia: Mirela Ferraz
Música: Álvaro Romão
Vídeo: Leo Lopes

domingo, 20 de maio de 2012


Vê que agora se aproxima das linhas que se cruzam e se interligam, das cores inatingíveis, perto da batida que é potência, que te faz vida. E como tudo se mistura, meu deus, o que é isso? Quantas cores, Qual é a violência da batida da cor que gruda em meu corpo, que nasce de onde não conheço? Por que não consigo ver se a toco? Ou não toco? Porque parece tão inapreensível. Me deram duas mãos que não conseguem chegar ao que, de fato, querem tocar. Me deram olhos que vêem o inatingível, me deram um buraco de forme insaciável. Muitas minhocas na cabeça e pouco estômago. Vestiram-me de muitas cores e me botaram pra rodar: rodando, rodando, rodando. ânsia. Serviram-me de tudo, me cobriram de beijo e agora afago o cão e sinto pena de sua condição, como se fosse superior. Eu superior? Se não dou conta do buraco de fome, se não sei tocar o que olho. Se passo fome diante da comida.
 Qual é o meio onde se encontra? Não há meio porque falo da totalidade indivisível, que é como um deslize para dentro. Para o intro nunca tocado. Um lugar habitado por todo o silêncio da existência.  Gire, gire, gire.
Tombo. Por que treme? Não esquece que tem o seu nome, toda a sua prisão. É por isso que não vai, por isso a tontura. Gira pelo seu nome que já não conhece, por isso não volta o rosto para quem chama. Tudo bem, falta pouco. Não percebe? Chega perto agora do embolo da teia, o coração. Não escuta a batida, como pulsa forte? Impossível distingui-la de seu corpo, do seu passo, do seu ritmo. Vocês são a potência, a mesma, e essa é a fatalidade do ser. Seu nome pulsa no miocárdio. Cale o giro, respire a batida. Esqueça de seu nome. Sinta a sua música.  Isso que não se chama, que não se aprisiona.  Erva que multiplica por todos os rastros. Isso que só se sente pelo mergulho, aquilo que te faz em essência, quando o medo não é suficiente para te afastar daquilo que te pertence, que mora atrás de seu rosto. Perto do coração bate a cor vermelha, porque visita o seu próprio sangue. Se encontrar é como se cortar para ver a si próprio. Conhecer todas as cores que habitam o cerne, experiência que só existe pelo sonho? Como calar o grito do coração? Caindo em direção ao intro nunca tocado, no abismo da alma.

escutando I Will - Radiohead

sexta-feira, 11 de maio de 2012

besteira cotidiana


Foi instantâneo, assim como o pó de café que acabei de dissolver na água fervente. Na tentativa de me manter acordada, e como já tinha tomado o café depois do almoço, resolvi procurar um capuchino, ou um mate pra ficar mais ativa. Tudo tinha acabado, aí vejo um pó de café desses rápidos.
Pronto, cai a chuva. O café de gosto ruim que me lembrou a sua empolgação infantil, de uma tarde de expectativa,  quando você tinha acabado de comprar a praticidade embalada: “Isso é pra gente tomar lá em São Paulo, isso é pra viagem”!  Naquele meio tempo, choveu,  molhando tudo o que tava seco, árido e empoeirado.  A gente se acostuma a viver com a ausência, com a falta.  A gente trabalha, estuda, viaja, se apaixona, desapaixona, conhece pessoas,  e pensa que tá tudo seco. Mas a lacuna fica lá, onde menos se espera, calada em pausa de espera.
E quando ela grita, como nesses momentos bestas, a gente se surpreende e fica bobo de ver como o seco vira lama, argila,  que a gente esculpe e coloca na varanda pra secar bonito com o sol.


para dona Fátima

terça-feira, 8 de maio de 2012


J'habite la chair
qui je ne peut pas s'appeler ma
pourquoi?
je ne sais pas
peut-être parce que si elle était ma
je serais la chair
deux corps dans un
un corps dans deux
sans un début
sans fin.

domingo, 6 de maio de 2012

Pombo correio

queria agora que houvesse um sopro de flor,
como canto baixo
seja de quem for
um sussurro leve
brisa quente
que entregue
um cheiro breve
daquele foi
pra aquele que ficou
murmúrio doce
e alegre
de uma carta postal pendente
timbrada com calor.




quinta-feira, 19 de abril de 2012

Há muito que guardo
metido
e ao escrever
me é dolorido
porque a cura
vem da letra
a qual não acalenta
meus sentidos
posto que arde
e inflama
tudo que tenho escondido
deixe queimar
portanto
pela chama
faça rasgar
aquilo que estava suprimido
no manto do poema
fogueira
para que voe
em flamas
o grito
do som de quem chama
e pelo fogo
é ouvido.




segunda-feira, 16 de abril de 2012


O corpo
como fundo impetrável
aberto
inalcançável
que reside
em um deserto
pela pele povoado
pela pele em contato

Pela pele(ao)lado.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Del encuentro entre Saramago y nosostros


Desvelar a imensidão que habita nas palavras de José Saramago é como a experiência de um mergulho ainda virgem na branquidão do ser, uma espécie de desvelamento da alma, do homem e da mulher em seu estado bruto e puro, pela transparência mais crua de seus próprios desencontros, que se desembocam na facticidade da ventura humana, a qual paradoxalmente se revela por meio da própria cegueira.
            Não faria parte, no entanto, do mistério do ser essa eterna cadência de descobertas, que se florescem em espirais em uma constante infinita entre o ser e o saber, falta e completude? A cada descoberta nos deparamos com uma outra lacuna que busca seu sentido em outra descoberta e assim por diante, pois na medida em que cerramos os olhos para abri-los novamente após o mergulho, nos deparamos com “o espelho e os sonhos”, que para Saramago, “ são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio”. E quando o homem mergulha e se depara com a alma do outro que acaba por ser a sua própria, por meio de reflexos de “espelhos e sonhos”, que moram imersos na densidade profunda de um “mar de leite”[1], estaria este, então, olhando a cegueira?
            Há a percepção, portanto, da condição humana como um espírito humano errante em sua busca eterna pela própria substancialidade, pelo dom dado pela natureza que lhe permitiu caminhar sob duas pernas. O homem que atravessa as linhas do tempo, irreversível e intolerante, na luta diária com Deus, guiando-se por um discernimento que pondera de acordo com as ondas da fortuna e do destino. Trata-se do espetáculo do embate humano, no qual o mesmo se assiste, ferindo e sendo ferido pelas leis impostas por deus, e principalmente, por ele mesmo. Pois não carregamos o sangue e a carcaça cansada de Caim narrado por Saramago? Do humano enquanto um incansável andarilho, que trilhou sangue em terra, marcando nossa história em tinta triste e vermelha?
            Ao narrar à história de Jesus e de sua missão, Saramago enfatiza as dúvidas acerca da ventura humana, por meio de questionamentos atemporais que envolvem nossa conduta, como quando Jesus desafia deus perguntando: “Vim saber quem sou e o que terei de fazer daqui em diante para cumprir, perante ti, a minha parte do contrato”. E assim, Saramago descreve o sadismo de Deus, na medida em que o criador coloca sobre Jesus o papel de mártir, revelando-lhe o futuro de sangue de homens que o procederão. E em uma das passagens mais belas e emblemáticas da obra “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” presenciamos o diálogo conflituoso entre Jesus e Deus, no qual o criador afirma o dever servil de seu filho perante a sua autoridade: “ O único Deus sou eu, eu sou o Senhor [...] Morrerão milhares. Centenas de Milhares. Morrerão centenas de milhares de homens e mulheres, a terra encher-se-á de gritos de dor, de uivos e roncos de agonia, o fumo dos queimados cobrirá o sol, a gordura deles reclinará sobre as brasas, o cheiro agoniará, e tudo isso será por minha culpa. [...] Pai, afasta de mim este cálice, Que tu o bebas é a condição do meu poder e da tua glória, Não quero essa glória, Mas eu quero esse poder.”
            Portanto, se a face de Deus se torna clara em plena cegueira, o criador assistiria o espetáculo da antropofagia, enquanto se clama “pai, perdoa-lhes pois não sabem o que fazem?” Presenciaria, então, batendo palmas o devoramento de suas criaturas?  Que com fome absoluta de carne, devoram-se e mastigam uns aos outros. E é paradoxalmente na voz do próprio diabo que Saramago diz, “é preciso ser-se Deus para gostar tanto de sangue”.
            E se somos descendentes de Eva e Adão, trazemos em nossa hereditariedade o pecado, que nos foi ligado pelo cordão umbilical, do homem em peregrinação. Descendentes de Abel que somos, como também do primogênito, não carregaríamos também a marca de Caim? Pois talvez esteja em nossa testa a mesma marca do castigo imposto pelo criador nesse filho, a qual condena “andarás errante e perdido pelo mundo”. Assim compreendemos quando Saramago conclui que “ a história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.”
            Tratando de nossa essência, do mais íntimo âmago do segredo que envolve nossa carne de nervos, dores e afetos, vemos nos traços e linhas de Saramago a existência que não se deixa se aprisionar ou se denominar. Homens e mulheres que não se limitam a definições, mas apenas em seus estados, talvez porque em tempos de cegueira não seja tão necessário a definição e o nome. Talvez seja porque o contorno de nossa pele não se deixa mais aprisionar, misturando-se com os outros e coisas, em uma só existência que é a vida. E como narra Saramago em seu mais famoso ensaio “O médico só disse, Se eu voltar a ter olhos, olharei verdadeiramente os olhos dos outros, com se estivesse a ver-lhes a alma. A alma, perguntou o velho da venda preta, Ou o espírito, o nome pouco importa, foi então que, surpreendentemente, se tivermos em conta que se trata de pessoa que não passou por estudos adiantados, a rapariga dos óculos escuros disse, Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”
            “Essa coisa” que está dentro e fora de nós, que nos faz o que legitimamente somos, que não possui um nome, mas que é tratada com tanto cuidado e veracidade na obras de Saramago. “Coisa” que perpetua a condição do ser e que nos permite acreditar na esperança do milagre, apesar da profundeza do abismo em que muitas vezes habitamos, nas ondas céticas e espessas do “mar de leite” que envolve homem e mulheres.
             Por meios de suas obras Saramago mostra acima de tudo a essência da vida, como na obra “Intermitências da morte”. Pois qual seria e o valor da espécie em um lugar delimitado por fronteiras de uma ordem imortal, as quais a ordenam a condição de uma existência eterna? Existência que aprisiona doentes e pessoas cansadas em um estado de decomposição em vida. E por um capricho da morte, que em suas intermitências vagueia e estabelece as leis de um estágio de uma vida mórbida, assistimos a imortalidade, que inicialmente foi comemorada com júbilo até se tornar um terrível alarde, como se fosse uma epidemia proliferada.
            A personagem morte permite, assim, que o homem habite o tênue limite entre vida e morte, em um estado perecível, em um mundo paralelo e apático. E esse estranho estado me remete outra epidemia, retratada por Gabriel García Márquez em “Cem anos de Solidão”, o surto “da peste da insônia”, a qual aterrorizou os habitantes de Macondo.  Epidemia que desfez os laços entre o homem e sua memória, desfazendo assim sua própria história, na medida em que o sintoma do esquecimento impossibilita o contato do homem com sua raiz e origem e até mesmo com o presente, esquecendo os nomes e as coisas.  Essa perda de referencialidade que dá o lugar ao vazio impenetrável, a qual questiona o homem e seu lugar no tempo e espaço, faz com que a vida seja vista por meio de lentes opacas, como se a existência se sustentasse pelo presente destacado de seu sentido, em um estado e tempo peculiares, como Saramago descreve seus doentes que não podem morrer dentro das fronteiras da imortalidade ou como García Márquez  descreve os moradores de Macondo infectados pela insônia, os quais vivem em uma espécie de “realidade escorregadia”.
            Esses estados que ambos escritores narram, tanto o da lesão do esquecimento, como o da estranha existência de pessoas que permanecem entre os limites de uma quase vida ou quase morte, na qual que Saramago escreve em “Intermitências da morte” , são formas que ultrapassam as fronteiras do imaginário e da ficção. Pois parecem tratar da realidade da existência que permeia a contemporaneidade, uma zona indiscernível no que se refere o homem, sua integração ao mundo,  como o enigma que habita a sua íntima relação com o outro, suas buscas e os mistérios  entre a vida e a morte.
            A busca pela luz e pelo esclarecimento, ou as formas de guerras, concretas ou ideológicas, nos conduziram ao mal do desencanto que se reflete em uma espécie de inércia, como  caminhos que desaguaram  no branco de nossa própria cegueira. Um legitimo “Ensaio sobre a cegueira?” Estaria, portanto, a humanidade dormindo de olhos abertos em sono profundo, mergulhada em seu própria morbidez, em sua autoalienação. De forma que o ceticismo, como a perda de fé nas grandes revoluções, nos fazem apenas contemplar o domínio da racionalidade técnica, a espécie de Deus contemporâneo, que como afirma Adorno: “ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada em si mesma”. Portanto são também, através do olhos de Saramago, que por meio de seus romances, percebemos o tamanho do abismo que ainda percorre o ser e o seu desconhecido, seus instintos mais inerentes, como também a história de seus caminhos em busca de suas inquietudes, que se entrelaçam em narrações de amor, violência, desejo e esperança. Tais valores tecem as redes das relações contemporâneas, mas ao mesmo tempo nos pertencem desde tempos primórdios, como no antigo testamento revivido pelo filho rebelde Caim, ou pelos caminhos traçados de Jesus no segundo evangelho. Estaria presente, assim, a universalidade das obras de Saramago?
            Por meio das palavras de Jesus, Caim, ou de personagens sem nomes, Saramago coloca em questão a essencialidade de todo homem e de toda mulher, ao se verem representados pela voz do próprio cristo, o qual busca as respostas que fazem parte das indagações mais elementares de nossa existência.
            Haveria uma intimidade maior entre o escritor com Deus, o diabo e com seus leitores?   Assim, ainda podemos pensar em um limite de distância, que separa o autor do leitor? Pois quando os olhos de seus leitores repousam em suas linhas, o mergulho para a alma se dá da forma mais dura e ao mesmo tempo afetuosa, por meio de um entrelaçar de mãos, as maduras e velhas mãos de Saramago sob as outras, sob as nossas. E ultrapassando qualquer limite estendido entre os continentes, ou entre o papel, a tinta e sua impressão, nos transportamos para a experiência do milagre, que é o próprio encontro: de várias vozes perpetuadas em histórias que são as nossas.
            É a possibilidade do encontro que se dá pela leitura, por meio do reconhecimento entre as “almas”, como diz o “médico cego“, ou o “espírito” de acordo com o “velho da venda preta”, ou a “coisa” como cita a “rapariga de óculos escuros.” Encontros que transcendem distâncias e temporalidades, nas quais nos fazem reconhecer, ao ponto de possuirmos a sensação de tocar as mãos de escritor de Saramago: seus afetos, paixões, dores, sua visão política, ou seja, sua própria vida. E se nossa intimidade parecer ser cada vez maior, posto que esta se revela eterna em suas obras, ainda podemos sentir que Saramago se encontra nesse mesmo lugar, pois “não subiu para as estrelas, se à terra pertencia.” Deste modo, sentimos e sentiremos a presença imortal de Saramago no florescer de sua literatura nas futuras gerações, como uma espécie de semente plantada nas linhas do tempo, que desabrocha em constante “devir”, pois se trata de um presente doado para toda a eternidade.







[1]  descrição sobre a cegueira branca que José Saramago escreve em Ensaio Sobre a Cegueira.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

para pássaros, pipas e outros seres afins


Entoa
Vento forte
Faça com que voa
a pipa,
e corte
a fita
e que doa
a despedida,
dos pés de seu chão
a dor daqueles que vão
e de quem fica
posto que agora
a altura de quem parte
é infinita
pois não há como parar
o embalo da vida
Há muitos céus
Para quem rodopia.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

escrita pela pele
de paisagens marcadas
por trajetos
que em mim são tatuados
tinta cravada
é a memória que carrego
o meu fardo
não nego,
não mais,
pois me entrego
aos braços
de estranhos lugares
que me atravessam
por ora, como lares
mas escuto a língua que não entendo
a mudez do tocar
estrangeira de meu lar
seria eu, então,
sombra nômade?
carcaça errante?
surda
ou sem lugar?
e pela agulha se faz
o traço
que em toda minha pele,
face
se revela
a marca
o meu código
minha tinta de poeta