domingo, 3 de setembro de 2017

me meto a escrever
meto-me
fora de rima, métrica
apenas, me meto a escrever
escrita, assim quase sempre inacabada
rarefeita
mas me meto,
talvez por encontrar nas palavras
refúgio ou antídoto para vida
meto-me
quando algo estranho me atravessa
os nervos, a pele, página
vira escrita, toda, sempre,
porque meto-me
toda
metida em meio às palavras,
por ali me encontro
perdida
porém, habitada.
não há paradeiro
para o desejo
ou a espera que carrego no espaço que vai da janela
ao horizonte
ensejo
vejo as montanhas e as percorro
com o corpo todo
correndo
de minha miragem ao vento
meus olhos atravessam o sol
não mais distante que a paisagem
nem tão perto quanto a brisa
que sussurra gentilmente em meus ouvidos
é a espera desejosa e secreta
habitante de minha alma  nômada
porque sou também
cavalo selvagem
negro
quando secretamente navego
a beleza das íntimas distâncias.



quarta-feira, 23 de agosto de 2017

caro anônimo

São José, 23 de agosto de 2017.


Hoje é quarta-feira e chove. Reparo o céu todo preto da minha sacada esfumaçada pelos caminhões. Retorno aos poucos, estive ausente. Totalmente fora, do outro lado, à margem. Volto a pegar os livros e a escrever. Volto a tocar no teclado para rascunhar em letras o desejo que não é falta, o desejo que é impulso, movimento, inconstância. Ando cansada. Leio notícias e me entristeço. É como se as partículas de resistência se dissolvessem na paisagem de cabeças que vejo diariamente. De gente que trabalha, que segue na estrada dia e noite. Por isso hoje, no meio da semana,  em meio a rotina tão familiar e constante, me vejo tomando café e pensando atônita: quero notícias de um desconhecido.
Espero uma carta anônima. Não precisa ter nome, nem endereço. Quero assim, que a carta me encontre no meio da semana com notas de notícias breves "estamos bem aqui e você?" "A Luíza já fala". " Sim, é verdade, são tempos estranhos, não?"

Aí tomaria mais um gole do café amargo, olharia novamente para minha janela para pensar em ti, caro anônimo. Na sua história, nas suas letras, nos seus garranchos. Imaginaria você assim: em sua casa, escrevendo para mim, pensando nas suas mãos amarelas de cigarro, ou no seu olhar atento ao relógio, ou até mesmo, na música que escutava enquanto escrevia suas notícias. 
Que coisa boba de se imaginar, não é? 
De fato, tenho coisas muito mais importantes para fazer: terminar minhas leituras, lavar a roupa, ou outras coisas mais sérias. (Quanta ironia nisso).
Mas é que tanta coisa séria anda me entristecendo, sabe? Por isso, a ficção românticas dos contistas, ou o erotismo ingênuo dos poetas, são coisas as coisas que mais me agradam nesse momento. Demoro-me mais nas verdades inventadas. Quero ler Monoel de Barros, uma vez e mais outra vez. 

Ando cansada da seriedade do mundo. Por isso estive fora, ausente, até de mim mesma. Eu andava muito séria. 
Queria mais leveza, por isso miro de longe as asas do pássaro que me carregam para o horizonte. Lá é bonito, tem muito tom de azul,  a gente se perde lá.  Namora o vento. O vento namora a gente. Vira história de amor, tem a surpresa da brisa, o turbilhão do vento sul, que levanta os vestidos todos.

É portanto, que estou aqui te dando existência enquanto te escrevo. 
Espero suas notícias, surpresas ou novidades, mesmo que inventadas. Porque já te inventei todinho anônimo, remetente, ou qualquer coisa parecida. 
É que ando ávida por notícias e histórias bonitas, querendo surpresas para as tardes frias daqui do meu apartamento. Por isso, não deixe de escrever tá bem?
Me fale dos seus filhos, dos seus desejos e da sua vida, que eu responderei em breve. 
Assim, ou quando, fantasiando daqui, do outro lado, te inventarei umas coisas, nada sérias. Um dia em que esperar atônita alguma novidade para o dia cinza, para os meus cafés, para minha escrita séria, 

com amor

Mirela. 

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

invade-me o tempo
em seus rios turvos
sinuosos
de curvas
minutos
horas
inunda-me o tempo
de hoje e outrora
como se pudesse rasgar o seu rio
mergulhando ao passado
do que fui
ao futuro do que serei
nas rugas das mãos
molhadas
vendo-me senhora
contenta-me, tempo
em sua paciência indócil
com os meus desejos
de cavalo selvagem
que sou
tentando atravessá-lo em galopes
de vento
seja-te tempo
em meu corpo, sua história
a face
de minha pele em suas dobras
trajetória
porque não sei de seus segredos
mais do que me mostra
sendo sempre esta
mas nunca a mesma
a qual,
demoradamente
te olha

terça-feira, 4 de julho de 2017

Enfim nós, a sós, soberano Saturno.



E volta Saturno com seus anéis longos e esbeltos. E retorna o planeta ao meu encontro, girando. Não entendo de astrologia, mas como ando cansada de escrever por obrigação retorno às letras para pensar nos efeitos do retorno de Saturno em minha vida.
Fico pensando nas cobranças que o planeta anda me trazendo. O que eu venho maturando, gerindo e criando para esse mundo, que às vezes, me  empurra para fora.
Mas estamos aqui. Girando com ele, respirando mais fumaça do que ar puro, bebendo mais do que o nosso fígado aguenta, tomando pílulas para dor de cabeça e ressaca, tentando recitar um mantra aqui e acolá para dar conta do que é estar vivo nesse cenário estranho de tempos temerosos composto de temers, aécios e bolsomitos.
Aqui estamos e seguiremos, pelo menos por um bom tempo.

E eu, vou aprendendo a girar com esses anéis que se aproximam do dia no meu nascimento, que me atravessam de jeito pelos tapas da vida.
Quando criança me imaginava "muito adulta" aos 28 anos. "Muito adulta" significava na minha imaginação infantil de criança, ser mãe de muitos filhos. Mas, o único filho que tenho, se é que, se assim posso chamar, é uma tese de doutorado, a qual por sinal anda me dando mais dores de cabeça do que alegria.
Minha surprese hoje, aos 28 anos é essa: de me ver assim, Mirela.
O que é ser Mirela? Olho ainda para o reflexo.
Vejo minha imagem e tento traçar um diálogo com minhas sobrancelhas,
- Ai, não sei.
- To aprendendo, confesso. Tá meio foda.
-Tá olha o drama. Ok, menos
(Fala o sol em câncer para a lua em leão)
- Menos, tá bem? Menos...
(Fala a lua em leão para o sol em câncer)
- Dói fia, eu sei.. Dóis mais passa, viu. Aguenta que tem mais

E olho-me um pouco mais de perto. Reparo naqueles primeiros sinais e rugas. Penso no que é ser isso que a gente se inventa de ser.

"Ser Mirela é confundir ainda direita com esquerda, se perder em qualquer conta boba de matemática. É cantar errado e mesmo assim continuar cantando. É cortar o cabelo para se reinventar, ou se descobrir. É fazer mais uma tatuagem, e se perder nas contas de quantas já tem. É não ter certeza de nada do que é".

E, enfim, essa é a sua vida agora.
- Isso que você quer ser:  mulher, estudante, artista, sei lá mais o que. Porque você sabe que tudo pode mudar no futuro. Quando você tiver suas mechas brancas e sua horta, roupa neo hippie, meio assim, quando você se tornar, de fato, essa pessoa"espiritualizada", que você tanto busca ser.

Mas agora é aqui, certo? No centro do seu mapa natal. Meu renascimento. Hoje, aos 28 anos. Aqui, ainda com as minhas dúvidas. Sou esta: nem mais, nem menos do que imaginava aos meus 20 anos.
Pensando na volta de Saturno, nos seus dedos pontudos cheios de anéis. Ele que circula em mim, me circulando no mundo: trazendo mais surpresas. De me ver amando e cheia de vida com uma outra pessoa, tão linda e tão parecida comigo. Eita amor que já não esperava encontrar devido às peripécias de uma migrante, que já morou em tantos lugares. E agora se centra, ou se diluí, na experiência de residir numa ilha - ou em seu continente.
De me ver assim nos traços de minha família, que residem nas minhas feições e olhar. Miro ainda,  o desejo de amá-los.
Miro-me:
Recolhendo os afetos diários deixados nas ruas: nas pequenas flores das calçadas, no caminhar dos casais velhos (ah..os meus preferidos) nos cachorros vagabundos que tomam sol de tarde ( minha inveja).
E na arte, esse buraco que ando metida há tanto tempo.

...

Volto os olhos depois de mirar, namorando-me demoradamente.

E quando eu olho bem para as fotografias, me assusto ao ver que sou essa pessoa que me construo diariamente para ser:  essa. Nada mais, nada menos. Ainda confusa, tonta com tantas ideias e desejos. Meio com aquele olhar de criança interiorana, só que agora com olheiras, mais cansada, mais ansiosa, e mais medo. E busco por fim aquela criança, desbravadora de paraísos, para sentar ao meu lado e me dizer: "tá tudo bem fia, dói mais passa. Vai, tá tudo bem. É que essa coisa de ser esquista, não é pra todo mundo".




segunda-feira, 26 de junho de 2017




eu faço poema
para fazer infernos
rasgar paraísos com os dedos de tinta
na folha,
em que caminho com as minhas asas
de anjo decadente
dançando com os outros
os anjos mais bonitos
e suas trombetas apocalípticas
tão desafinadas quanto o meus sonhos
por isso orquestro o teatro
com as mãos
com a boca
com esse corpo
profano
que dança fora da alma
quando ela está perdida
em qualquer canto
pedindo a escrita sem nome
de toda poesia
que tenho em mim
essa que convido
para dançar
no hoje,
de um tempo sem fim
que eternizo
no caos das letras
purgatórias
porque eu faço poemas
para fugir dos infernos
e zombar dos anjos,
que sempre são mais bonitos.

terça-feira, 28 de março de 2017

Diálogo com as plantas I



o que é o amor em tempos desses
cinzas?
em um céu que sinto dos primeiros ventos de outono
virados em minha janela, cama, travesseiro
chamando a mudança do calendário
atordoando-me os temores de uma era terceirizada
fria
inóspita
inábitavel
porém viva, aqui: presente.
como abraçar os nossos fracassos
errâncias
 desejos
e ainda, ou antes de tudo
amar?
no turbilhão de uma terra desgragmentada
vazia
como posso, ainda ter amor?
penso enquanto rego minhas plantas que sempre crescem
tão verdes e bonitas
e lembro
que a vida é firme
verde em sua existência.
e por isso amo,
porque amar em tempos tão brutos
é resistência.











quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017



ao desempoeirar
partículas
de desejos que guardo
para fazer luz
e de muita claridade
respirar o sol
clara
translúcida, morena
tornar tudo leve
mesmo quando
em poeira
vivo
quieta e serena
abrir portas, janelas, cartas, gavetas
e escrever, sempre;
poemas.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017



provisório fulgor
das coisas
fugidias
amor
que é fogo imparável
e incendia
as camas
os sonhos
comendo vorazmente
corações
e os seus donos
até não não deixar mais nada
só o caroço
que não é vazio
oco
porque se torna morada
de um corpo
repleto de desejos
abertos
para a ponte invisível
que cresce até outro
sensível
ensejo
labareda
de um efêmero e tão forte
incêndio
...





quarta-feira, 25 de janeiro de 2017



eu não sou a mais bonita,
na verdade
a beleza que escondo nos cantos de qualquer memória
me foi concedida por outros olhos
modos
formas e janelas
que mantenho incessantemente abertas
porque no fundo,
me queriam bonita
mas não sei ser
e já não posso
porque sou do interior e criada na merda de vaca
e escrevo
ou por não ser comedida
porque guerreio com minhas pernas
atravessadas
o caminho itinerante que não me permite tal beleza
esmero
realezas
de uma coroa que sento e rebolo
jogo fora
entre todas, as meninas
não serei escolhida
para o altar,
festas chiques
aristocráticas
desculpa, mas não faço o tipo
sou essa
verborrágica
toda errada
e sem rumo certo
a que diz não
e basta;
mas
ainda assim
mesmo apesar de tudo,
de suas bulas, e controles, receitas,
que contra luto
de papeis que mastigo
e engulo
talvez eu apareça, numa fotografia antiga
para um possível futuro
quieta
sentada de lado, com um meio sorriso escancarado
fingindo que compadeço
pertenço
a sua modalidade,
ao vestido,
mas não, jamais
eu não faço
o seu número.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

esta aqui agora,
sentada sob o próprio corpo
cansado
repousa sob suas próprias pernas
do voo
um pouso
uma pausa
para cada suspiro do dia
que cai lentamente
para dar o lugar à noite
esta aqui agora
somente
cruza seus braços
repousa a cabeça
para assistir o espetáculo
monótono do fim do dia
porque é bonito e basta
porque a beleza
diária
é besta
e,
rara.

...



segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

escritos de verão

E se por acaso os sons da rotina não passassem demasiadamente devagar, como encontro dos nossos olhos. Ou se fossem um pouco menos mornos, e mais quentes, como as tardes de janeiro. Talvez, assim, na velocidade dos minutos, que teimam em passar devagar sob nossas retinas, janelas e horizontes... Eu poderia hesitar menos a cada mergulho, pois pesaria junto ao relógio, que queima as horas das tardes quentes e tão repletas de suor.
Gastaria mais tempo com poesia, ou com prosa besta. Dessas que invento quando falo com as plantas ou vizinhos, diluindo-me  com tempo para não me desfazer só. Para ser ele, também. Para não ser sozinha.
Então, poderia dizer que minha finitude se inicia no fim das pequenas coisas, por mim ainda não experimentadas. Ainda. Todas. Em doses homeopáticas de tédio e ternura. Assisto o entardecer de borboletas tépidas em seus voos de graça. Logo, em meu suor e presença assistiria pausadamente o falecer dos segundos, pairando em minha língua ávida. Porque viverei dessa forma até ultrapassar a borda do silêncio, da minha pausa. Experimentando suavemente os gostos do mundo, o qual se abre a cada caminho que vivencio nas trajetórias de um corpo lançado ao leo. É porque gosto muito e não pouco. Gosto tanto, e sempre. Das tardes e noites de janeiro.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

metade carne
outra de fome
esse ser eu,
já sem nome
perde-se em cada rua, esquina,
em dedos de poesia ou prosa,
na vida
nos encontros
sou
ou estou
por ora,
num ritmo constante
de minha pura impermanência.
















segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

chego em casa,
passo o café
rego as plantas
vejo a paisagem
até diluir-me com ela
enquanto o dever pede
somente letras de trabalho
meu papel, todo em branco e translucido
se consome na poesia da tarde morna, aberta pela janela.
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