sábado, 24 de dezembro de 2011

Sobre o pão e o tempo



Talvez os tempos sejam particulares
cada um partilha do seu,
como lhe cabe.
A beleza mora, portanto, em tempo rachado
Quando o dividimos em dois, três, quatro.
Servidos em ceia farta
Comendo junto às experiências servidas à mesa
tornamo-nos janta e sobremesa
um do outro.
E no milagre da antropofagia
percebemos que só existimos pelo encontro
no momento em que damos
 fatias largas ou pequenas
doces ou amargas
de tempo.
Tempos felizes ou tortuosos
Que durante a ceia da vida
são postos
para que sejam divididos
tornando-se
nossos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Pororoca


Em todos os fins das águas
deságuo
no infinito próspero das palavras
Mar que inconscientemente percorro
E sou percorrida
Nuvem diáfana
Transparente e clara
Paradoxalmente
tão nítida,
que como espelho d’água
reflete a imagem:
O retrato de minha mente e alma
o “eu”
como o devir de uma mar em ressaca.
E esse rosto?
Pernas?
Mãos?
A quem pertencem?
Se os meus olhos tocam
em ondas
as suas mãos...
Atravesso todas as suas fendas
cavidades e vãos..
deságuo numa profundidade
em sua pele,
pelo toque de meu olhar
Olho-epiderme.
Perdoa-me
por tal intimidade.
Mas decorro seu corpo em águas
navego seus rios,
transponho-me até sua ilha
Sua solidão inabitada.  

domingo, 18 de dezembro de 2011



Desbotado em algodão
Faço o verso como quem veste um vestido
- que não é bonito.
Mas no clarão da luz do dia
resplandece o rasgão
do pano simples e sem serventia
se faz a pureza
de toda a poesia.
E nas manhãs
feitas de cor e café
banho as frases em tinta
dando ao descrente a fé
e o desejo de mais um dia.
Faço então
pelo sol que irradia
os traços
de minhas linhas,
que são avessos, pedaços
de costuras
Em rimas

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Digestão

E o que se faz?


Pra onde vão todos os momentos,

onde meto?

Vasculho a memória

Pego pelo dedo

Seguro pela ponta

Percorro o próprio estar

Que é esse agora,

O sendo.

É isso? Sou escrava do instante?

De meus próprios pensamentos?

Onde estão as janelas?

Abram-se,

Faça escapar todo esse sentimento:

Esse bicho de ser e estar sendo,

Que come e é comido

e em estado constante de devoramento.

Deixe correr

O presente fugido.

Pois a lembrança eu pego pelo dedo

E se tudo vai sendo engolido,

Já que as janelas de mim têm fechos

Tudo brota escondido

Em lugares que desconheço.

É como um processo de digestão,

Sem fim ou começo.

Como e sou comida pela doença que padeço:

Do ser em contradição

Que não se fixa ao tempo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Querido Caio



Sou agora como um voo. Sopro de ar, asas de vento. Corto-me em rasantes alturas com quedas vertiginosas. Estou no "limite do branco" como você mesmo diz. AS minhas veias são como leitos que deixam o meu rio interior correr. Sim, esta é a cor do meu "eu" daqui de dentro: vermelho. O meu intro se expande em lateralidades de rouge. É minha respiração que percorre o esqueleto, colorindo os meus ossos com cores que não tem nome. Asas e sopro? Sou elemento fogo, quase dragão. Os "dragões não conhecem o paraíso" porque tenho a plena consciência de que dragões não são bichos domesticáveis.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Respiração



Existo porque escrevo
e não mais me atrevo
a respirar sem, de fato,
ser
ou existir.
Como falar de minha existencialidade
se ele cresce e escapa
de minhas cavidades
fazendo-se emergir
de meu mais fundo âmago
para todos os lados?
Acabo por me desdobrar em peles sob peles
E te toco agora sem que possa perceber,
Ou permitir,
Te atravesso em dobras porque me misturei às coisas
e a você.
Transbordo porque atravessei o limite da distância
entre o ser e o sonho
Pois ao passo que respiro,
me faço
ou me recomponho
em forma de viver.
É oxigênio.
É poesia:
elixir e veneno.
É o sonho
Pois o que a é vida, senão um atrevimento?
Posto que outrora eu respirava mas não vivia,
me atreverei, então,
A respirar só quando eu quiser viver.

sábado, 1 de outubro de 2011



Para que o mundo me abra com suas mãos grandes e sedentas é necessário antes cuspir tudo aquilo me invade, ao mesmo tempo em que ele me segura e me levanta pela cintura, mostrando a sua boca escancarada.
Vou me desfalecer dissipando o grito de todo o corpo que geme, ouvindo o barulho vermelho do topo da boca do meu estômago que não a cala a boca, que vibra em toda a pele.

Sinos tocando, aqui tudo vibra e ressoa enquanto os lábios permanecem cerrados. Irei pertencer ao mundo me esvaziando ao máximo. Fluxos de ar contornam todos os meus órgãos e vou me dissipando vagarosamente em gritos de ar, sendo aberta em dores pelo mundo que me abre, me divide e me prova. Trata-se de uma diagnóstico maduro da demência:

transtorno - de - destorço- compulsivo. Sem - retorno - possível.

E vão me abrindo, me revertendo os órgãos sem permissão. Estão tentando fechar a boca do meu estômago, tentando colocar o coração no devido lugar. Mas alguém, por favor, pode avisar que não há remédio que dê beleza à matéria disforme? Porque o coração é parte de um todo que geme, pulsa e dilatada em toda a minha carne deformada e demente que luta obsessivamente - pela cura e não cura dessa anomalia.
E esse paradoxo não é um quadro reversível.
Acostumam-se (ou não) em encontrar o meu coração em minha orelha, no couro do cabelo, na lasca da unha ou no meu sangue mensal. É aqui que onde resido, pertenço. Não há plural: orelhas, cabelos ou unhas, posto que é um todo único e inseparável, matéria substancial de mim.

Sou a dilatação disforme daquilo que não se encaixa, de natureza apta ao deslize. Por isso passo, vagueio e não moro.

Continuam me invadindo as vias e me abrindo. Estou em estado de fluidez, correntes de ar me penetram pressão quase irresistível. É o mundo que bate e quer morar em mim.....

Devo permitir?

sábado, 10 de setembro de 2011

Para momentos como esse
que não se definem nitidamente,
nem frios e nem quentes,
o álcool me serve.
O éter apazigua o sono,
faz com que tudo seja suportável,
cura as dores, o mal
o desagradável.
Recolho-me, portanto, ao morno
sinto o torpor que me ferve
E espero o retorno:
De todos os sorrisos
que virão em breve.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011


Vejo curvas, mas não reconheço formas. O presente me passa levemente pelos os olhos e me seca a boca, mas agora começo a entender como funciona esse mecanismo atormentador da espera.

Viver agredindo a espera é doloroso, já que levo em consideração o fardo que carregamos uma relação eterna: eu, a espera e a vida. E já que é assim, talvez seja minha hora de ceder e dizer: “tudo bem, eu espero.”
É um exercício curioso.
Mas com passos ainda amadores, aceito devagar o prazer que me é cedido aos poucos.
Voltei a contemplar e isso é bonito.
Fico assim, em estado de contemplação...
vendo o presente que me passa pelos olhos e me seca a boca. Tomada por curvas de calor. E por esses milagrosos momentos de ondas quentes e movida por ondas de sentimentos bonitos, sou capaz de aceitar a espera ao meu lado.Sem enfrentá-la. Porque a pouca certeza que tenho sobre sua natureza, me diz que suas ondas de calor podem ser geladamente vis. A espera é capaz de conduzir ao desvario qualquer pedaço de vida com seu hálito gélido.
Assim, tento construir uma relação simpática, ou curiosa, até porque uma sólida amizade, seria uma piada.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Não basta disfarçar a fome
ou prender os cabelos
tapar a mancha com os dedos.

Não há como fugir de seu nome.

A fome não se cala
as unhas crescem embaixo da terra.
Assim como a ferida dilata
e inflama a cada primavera.

É o seu próprio senhor e escravo.
Sua trajetória é seu sangue.
Sua pele é seu mapa.
De um corpo-caminho
e solitário.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


Há dois anos criei esse blog. Apesar de todas as crises que tenho com ele, de achar que isso aqui é uma bobagem narcisista ou pensar que na verdade é um espaço desnecessário, estou feliz com o aniversário. Aqui tem mentira e verdade, viagem e ceticismo, mas tudo é sincero na medida do possível. Gosto dos meus amigos que aqui freqüentam e gosto de imaginar olhos estranhos que por aqui passam. Considero essa página simples e intimista. Relendo o que escrevi consigo reviver tantos momentos: paixões, fúrias, sonhos e desejos. Enfim, quero ver até onde a água da pé.

Mirela Ferraz

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Que o desejo seja incansável
e que as mãos sejam olhos abertos
ao inefável:
lugar onde as palavras não chegam,
pois não há sentido,
ou significado.

Então,
Quando as minhas mãos
se abrirem para ver
e tocar:
O que não sei,
O que não conheço,
Trarei pelo verbo
a voz que ainda me é
Invisível.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Deram-me pela metade
e sem nome.
Dei banho,
acarinhei.
Fiz de tudo para o bem
com tal zelo
e respeito
que já me sentia parte
daquele estranho sentimento,
que a mim chegou tão imundo
repleto de vergonha,
com sujeira do mundo.

Era feio
mal medido
não cabia
em nenhum corpo.
Mas em mim
vestia,
dava,
servia.

E feito roupa folgada,
que se acerta num remendo
Vi-me, enfim, prestada a esse contentamento,
uma mãe que renega seu rebento,
batizo-te:
como lamento.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

para Leo

Através de seus olhos-lentes
Voto a olhar uma coisa que às vezes me passa tão despercebida:
a vida.
Os meninos,
as rugas,
as velhas,
as veias,
são gente..
Os caminhos em preto e branco,
colorem a evidência,
do mais íntimo presente que nos é dado,
O dom da existência.

terça-feira, 19 de julho de 2011

para Paulinho, Bárbara, Marcelo e Tinho

minha indecisão é como os cortes de meus cabelos, curtos e desencontrados. Meus traços são todos rasgados, aí mora a confusão. Eterno exercío de ser ou não ser ...
Vivendo em espirais, respirando as montanhas e o mar. Desgatando- ao máximo. Equilibro-me sempre entre o ir e vir, degustando as minhas escolhas até o limite insuportável da dor e do prazer. Assistindo-me nesse devir de autoconstrução sinto pena, mas é isso. Não há fuga. E agora identifico-me com as pedras de Michelangelo, uma figura da matéria da e da natureza, a alma neoplatônica presa em um corpo-pedra. Na luta contra os medos invisíveis, escupol-me...eternamente.
Não sou Hamlet.
Não sou Ofélia.
Sou escultura.

domingo, 10 de julho de 2011

Os prédios e as janelas estão me espionando. É impossível escrever poesia,são tantos olhos de concreto que me assistem. Ando meio tímida. Por isso agora é prosa. Não cubro-me mais com versos, estou cada vez mais despida por ruas e travessas, carros e avenidas.Porém, há alguém do outro lado. Esperamos na cidade. Eu o espero e ele me espera, invisíveins um ao outro.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

para qualquer leitor disperso

Depois de tanto tempo sem escrever, vim para confimar a razão de tudo isso. Estou engasgada. Taparam-me e só agora me dei conta. Há muito de mim que está fora, que não se encontra. Transbordo. Estou do outro lado, talvez à margem. O lugar ora é bonito, ora é feio. De vez enquando há música, minto é ruído,é barulho. Mas isso não quer dizer que não seja música, certo? A verdade é que os meus ouvidos precisam ser domesticados, como cavalos. Preciso domesticar-me. Aprender; Preciso estar apta para escutar a música. Calo-me, mas nada é quieto. Os sons são cada vez maiores, barulho surdo, surto. Escuto o sangue que me percorre, o ar que me atravessa.
Trasbordo, estou além. Vejo-me tão longe... Estou lá e cá, entende? Sou capaz de acenar para mim mesma desse outro lado. Dispersei-me em minha imagem, nesse corpo que fui e que sou. Mas como dói dizer: sou. Estou sendo, não há nada pronto. É um ensaio, uma série de rabiscos tortos que jamais se encontram, já que eu não sou um desenho. Estou sendo eu sou o quando, não há nada pronto. Talvez não seja bonito, mas não posso afirmar isso, porque o próprio barulho é música. Escrevo porque engasgaram-me, sei disso porque ainda sinto o cheiro de estranhos em meu pescoço.Mas foi concentido, ou melhor, foi uma dispersão de minha parte.Porque as gotas de todos os instantes caíam diante de meus olhos durante o engasgo, mas a música era boa. Assim como esse lugar ora é feio, ora é bonito. Assim como a todo momento me abraço para dentro dentro de mim. Assim como estou sendo e torno-me quando.
E os meu ouvidos agora são cavalos,
Ámem