terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A casa de Bernarda Alba




Direção: Mirela Ferraz

Elenco: Bárbara Carbogim
Camila Duarte
Thálita Motta

Iluminação: Camila Emílio

Figurino: Thálita Motta

Foto: Rônald Péret

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Rebento

Sangue em broto
expelido,
arrebatado
do meio daquele corpo:
fez-se a cria.
Do mesmo cheiro embutido
daquela que paria,
nasce a semente
já com folhas
espinhos
fazendo-lhe em botão.
Eis, que mais tarde,
aquele ventre ainda gera,
a mesma criatura:
que agora pede para dela fugir.
E em forma de caule,
a semente tão crescida
geme e arde,
para se fazer sair:
daquele corpo-mulher,
que duas vezes gerou,
que duas vezes pariu,
a mesma filha que floresceu
e partiu.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Quando quiser vestir seu sorriso guardado naquela juventude antiga,
me convida?
Mostre-me seus dentes tão tímidos,
tão condicionados a permanecer no escuro da boca.
Vem? Pode escolher,
quer sol, ou chuva?
Tirarei seu riso pra dançar
E aqueles seus ombros de quem olha para baixo,
vão crescer em plumas,
flutuar.
Verei daqui então,
sua leveza,
seu sorriso pássaro
fugindo do chão,
brincando de voar.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Estrondo

Talvez, eles ainda possam.
Se a música que regia o encontro dos olhos
voltar a tocar.
A conversa vai se guiar
pelo álcool,
que vai proliferar risadas macias.
O éter irá embriagar
a voz,
a pulsão da batida respiratória e a lentidão do correr do sangue.
Dançarão barulhos indecifráveis, farão vermelhos em gritos.
Escutarão o revirar dos órgãos em notas de violino, a melodia da saliva ácida em flauta doce
e depois,
a música vai se calar,
para se fazer escutar
o silêncio da separação.

(...)

domingo, 1 de novembro de 2009

Encharcou as letras até elas se diluírem sob os olhos, para que fosse assistida em silêncio uma melodia molhada pela cólera. Era um furor bonito, que foi até possível deslizar o dedo sob as palavras malditas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E assim se faz presente:

Um corpo feito de manhã e algodão, que tem na língua sede de cor. Vai pelo faro atrás de borrões de tinta fresca, assim procura uma definição por meio de linhas e curvas, numa tentativa inútil de se fazer visível.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

"Rapagão"

Lembro-me do cuidado que tens ao me ler, ao falar de mim. Queria saber repor de alguma forma tantos elogios, ou ao menos chegar perto deles. Mas a sua paciência de velho não sabe o quão longe estou de seu riso. Cuida desse coração porque ele carrega pedra e açúcar de uma família inteira.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Enquanto você dormia desenhei barcos em suas canelas. Fiz esbeltas velas com lápis escuro, contornei as marcas roxas que vinham de uma corrida cansada e limpei a grama presa entre os dedos dos pés.
Vi o momento em que os barcos atravessaram a pele e imergiram para corrente sanguínea. Eles flutuavam suavemente em sonhos, velando seus temores. Você ainda corria, estava afoita e sôfrega. Corria dormindo, parecia se abrir com vento. E era puro te ver assim, sonolenta e vívida, que deixei você velejando até meio-dia.

sábado, 5 de setembro de 2009

"Mar de leite" - Processo experimental






Sinto falta de mergulhar para dentro das dobras de um eu oculto. Voltar a verificar certas peles e curvas que tecem o rasgão sem limite que carrego. Sujeito, subjetivo e incessante.

"... o corpo está em cena, sem que haja qualquer possibilidade de predizer o futuro e seus limites."
Villaça e Góes

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Para falar

Sou dessas, como outra qualquer
que carrega no útero o fardo de ser:
mulher.
Levo na face as rugas das colheitas
feitas
por minha mãe, avó.
A marca da lavoura de minhas gerações, do sim e suor
das submissões.
Criada no cheiro de terra, estrume
da cevada.
Pé descalço e machucado
das brincadeiras.
O balanço da corda e pneu
da mangueira.
Das unhas crescidas
que araram
a terra e a pele.
Apesar das tantas mãos
que amarraram
meus lábios,
saibam,
repito ainda mais forte:
não.
Já que sou assim,
filha de meu órgão.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Podemos conversar?

- Fiz uma escolha ruim.
- Era uma escolha que dependia só de você?
- Acho que sim... É estranho. Eu nunca deixei de ser minha, mas dei um pouco de mim pra alguém...
- Sim,
- Agora eu quero o que eu de volta, entende?
- Claro
- Era pouco, mas era meu.
- Você pode pedir de volta?
- Não... Isso nunca funcionaria.
- E se você pedir com educação?
- Sinto que é irreversível.
- Entendo... Mas você costuma se dá com facilidade?
- Pois é... Não. Dou apenas migalhas e quando dou uma fatia maior para alguém quase sempre me arrependo.
- Mas veja bem, se você der fatias fartas o que sobrará pra você?
- Já pensei nisso... Tenho medo das minhas fatias serem comidas de forma errada, entende?
- Claro.
- Por isso não sei se eu me dou.
- E se você se vender?
- Vender... Aí já não seria eu, eu não me venderia.
- Entendo...
- O que eu posso fazer por você?
- Se doar um pouco pra mim?
- Não, não posso.
- Mas..
- Nós mal nos conhecemos.
- Mas, mas... E se.. Sei lá... Tenho a sensação de que depois dessa conversa peguei um pouco de você pra mim.
- Mas eu não permito!
- É inevitável, desculpa.
- Não! Você vai sofrer um processo!
- Desculpa. Mas o que eu posso fazer?
- Estou ligando para o meu advogado vou exigir o que é meu por direito e que está agora em sua posse.
- Não quero ser presa! E... Além disso, também já me roubaram.
- Eu confiei em você.
- Eu também.
(...)

Estiagem

Era um mistério quando os olhos dela molhavam o ambiente, ele se perdia dentro da água morna da seriedade daquela moça. Ele fugia dessas pálpebras pesadas e limpas, se desconcertava, arrumava a gola da blusa para tirar a secura da garganta, porém o poder enigmático que brilhava naquelas duas bolas feitas de verdade era demais para sua vida medíocre.
A moça não era simples e chegar perto dela era como se aproximar de sua própria sombra. As pupilas molhadas encharcavam todo o seu interior, era a presença fálica de mulher que não sabia verdadeiramente de seus dotes. Assim, aos poucos, a canção do olhar molhava esse homem fraco. Ele era dela, mas ela não era dele e quando o pobre se afogou na nebulosidade daqueles olhos, tinha a certeza que nunca mais se secaria.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Menina jabuti

A dor se aconchegou em sua coluna. Instalara-se gentilmente por entre suas vértebras colorindo os ossos com luzes delicadas. Sentia-se distraída quando a corcunda pesava no lombo claro, fazendo o monte de dor maior que seus sonhos. Era um cupinzeiro entupido de lágrimas guardadas e lamentos sussurrados.
Enquanto os dias passavam ele percebia a elevação se encher cada vez mais, crescendo e se dilatando. No mar as ondas quebravam nas finas costas e a dor escapava num sorriso pálido e bonito. Ela já estava acostumada com a casca, era feliz com proteção da dor.