segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

quando fui outra

quando fui outra
em teu corpo
que vestia-me 
inteira
cabia dentro
e mais um pouco
sobrava
dos contornos
até a cabeleira.
quando fui outra
e não essa,
salivava
sem temor
todo o gosto
ardia
era fogo
água,
tormenta.
quando fui outra
e já não sou
metia-me o medo
enfiado nos braços
abertos para as colinas
engasgada pela altura
sonhava
não caía.
quando fui outra
e não me lembro
confundia-me 
com a sombra
o eco
pois eu era em ti
toda a lembrança
e a ausência
surrada junto ao vento.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

tempestade
dentro
e fora.
destruidora
em seu esplendor
és beleza
estranha
para um corpo
cansado
que gostaria
de dançar
ao teu lado,
e nu.
mas há
inchaço
espera
tremor
ou paralisia
junto aos trovões.
rompante
meio tempo
abro a janela
arrebatada,
estática,
sou plateia

balbucio
diante de ti
apenas
um risco:
o susto
prenúncio
de um poema.



segunda-feira, 18 de novembro de 2013



se parar
repara
onde
os olhos já tímidos
não se demoram.
a coluna envergada
o peso nos ombros,
que doem só por existirem.
- talvez sejam as asas,
tão grandes outrora,
que estejam assim,
metidas dentro,
envergadas?
no dorso
cravadas,
crescendo em raiz.
e se não voam
inflamam
doentes
como
sonhos
encravados.
É possível medir
tudo
o tamanho do buraco.
Abraçarei,
apalpando, suas dores
pena por pena
na carne entranhada,
chuparei o veneno
até o sumo,
plantando outra semente
que crescerá em espinhos
rasgando a pele,
devolvendo-te
enfim
as asas,
perdidas
lá longe
no fundo do corpo...

domingo, 10 de novembro de 2013

regurgito poético


engasgada
a palavra
lívida
meio fora
metade dentro
escorrega,
goela abaixo
e volta
atrevida
escalando as paredes do estômago.
e ali fica
indecisa
entre garganta,
e a sua
língua
trêmula
frágil,
isca.
pronta para o arranque
de uma só fisgada.




terça-feira, 22 de outubro de 2013

Rugido



musculatura
lisa
solta
quase pluma
engana voo
foge
da estrutura
pois navega
reparte-se
desfia alturas
espalhando-se
em velocidades.
hoje,
ou só agora,
presa
apenas
às palavras
desvio escorregadia
sou pássaro-peixe
rasteira
deslizo
ressoo
por dentro
como pêndulo,
vou do céu
ao inferno
sem medo.
hoje,
ou por ora,
sem peso.
apenas giro
rujo
ergo as asas
para o ataque
sigo o instinto:
que é puro movimento.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

noite
em seu silêncio
dialogo calada
entendo
a insônia
que agora deitada
em meu colo
é ninada
atônita
até acaricio seus cabelos
- se fosse ontem
arrancaria
fio por fio
deixaria nu o couro.
por não me deixar dormir.
mas hoje
nino
cuido
compreendo:
é filha de minhas ideias
soltas na madrugada
ariscas
durante o dia
só crescem
depois da meia noite
em minha vigília.
aproveitem todas
a estadia
amanhã
ao raiar da luz
voltarão para a gaiola.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

na água, boie olhando para o céu

o osso dói
em seu peso
disputa espaço no corpo
retrae junto ao nervo
o osso carrega a pele
história
por isso precisa ser lavado:
em mares, rios, cachoeiras.
água gelada.
é preciso descansar do encargo:
ofício pesado esse:
o de segurar, o que tantas vezes é insustentável.
só assim:
boiando na água.
ele flutua,
pelo fluxo,
torna-se carregado
e leve.
depois da limpeza
ergue-se
para contra a correnteza
secando ao sol
comida que também o alimenta
revigora o cálcio
para voltar a carregar
a vida
toda inteira.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013


diluindo-me.

pulmão 
cheio
esvaziado
vazo
sobro
falto.
ebulição.

consumida
numa só tragada
em tua respiração
engasgo-te:
tossida.

sou fumaça
impalpável
danço livre em tua boca. 


sábado, 3 de agosto de 2013


difícil lembrar
onde te soltei
pássaro 
meu canto
raro
agora perdido
solto
já misturado.
irreparável
perdi o momento:
o instante 
o voo.
sem rastros
sua partida
me corta
rasante
sem volta.
engulo os fios
que te prendiam
às mãos,
e me desfaço
desde sua partida
sua cor
que nao vejo
some
cada vez mais
alto
distante
seu grito
piando pelo
o meu corpo,
esquecido
porque o seu nome 
escorre
arisco 
na altura. 


De tão esquecida ando confundido vida com sobrevivência. E inventando a memória. 



sexta-feira, 26 de julho de 2013

é porque o sonho foi plantado.
sua raiz se perdeu
se misturou
já não se vê o sonho,
tá entrenhado
na carne
perdido
solto.
vive quando o peito respira,
ou ele que levanta o peito,
suponho.
é assim,
esse broto vingado,
que não se arranca,
nem com sangue.
pois mora
no ainda mais fundo,
daquilo que somos.




segunda-feira, 22 de julho de 2013

parto
novamente
re
parto
me
sempre.

o café com açúcar. o leite gordo. o queijo fresco. os sorrisos e as doçuras. todos os gostos embalados juntos na memória, prontos para viagem.

a língua é quem lembra.
vai e volta.
                       

segunda-feira, 24 de junho de 2013


tropeço nos miúdos
contidos
do sussurros
guardados
dentro
do vestido.
ou nos segredos
expostos nos versos,
que,
como os cabelos
soltos,
crescem floridos.
fios esparramados
incontidos,
é enxame
zumbido.
saem para todos os lados,
meu sonhos
contidos,
rasgando em seu emaranhado,
os goles engolidos,
secos
respingos.
e é no susto
do engasgue,
que retomo o sentido.

estou viva,
e tudo pulsa.




segunda-feira, 20 de maio de 2013


quanto mais perto do fim,
um começo.
como fazer quando a conversa
e a escrita
são infinitas?

eterno
ritornelo..

desgasto a palavra
até o seu avesso.

chego ao fim de uma experiência-limite
fecho a sua passagem
como um buraco abismal
aberto,
sangrando em sua
hemorragia.

onde estão as portas de saída
das quedas?
vertigem
em que meto.

não, não concluo.
retorno,
retrocedo
encerro: tudo pelo meio..

sexta-feira, 26 de abril de 2013


Perdão
mas me afogo
no raso.
são nos territórios
demarcados
e palpáveis
que me perco,
porque é preciso cavar
com os dentes
para encontrar o gosto,
de fato.
Morder as  bordas insonsas,
até  chegar ao fundo,
longínquo,
inalcançável,
sempre à espera.
Desejo antes devorar
as fronteiras
para sentir o que é novo
experimentar outro lado,
queimando a língua.
Porque os pêlos da pele
se eriçam
para ele:
o desconhecido.
Rugindo em seus ventos,
águas de fogo,
rajadas quentes.
Quero mirar o risco
não só com olhos
mas com o corpo todo,
ardente.
Beber as ondas,
engolindo o mar
para então,
desfazer-me.










sexta-feira, 15 de março de 2013

descoberta


insaciável
a escrita
parasita
gera
o movimento
que cresce
do interno
e corre
ao caos.
vai para fora
reverbera:
insônia,
ou sonhos escritos
de palavras mastigadas
pelo inconsciente.
o sistema nervoso
se contorce
sente
e invade
os ombros
vômitos
 diarreia
dão vazão
ao processo.
litros de água
doravante
suor.
não me disseram
que tal qual um bicho
a escrita
poderia habitar
tão intimamente
um corpo,
atravessando seu
contorno
testando
quaisquer
limites
foge da pele
pois quer
escapar
pelos orifícios
desaba
feito baba.
ordenam
a separação
de objeto e sujeito
mas que obsoleto
é notar
a impossibilidade,
se já não sei se
sou em quem me meto
ou ela que mete.
por isso geme
no estômago
e se cospe
involuntariamente
contorce
devora
ao mesmo
tempo que é
pura força
aflora
quando se cola
nas paredes
dos nervos
músculos
que desconheço
agora
tão abertos
porque tudo
de repente
se destranca
para vazar.

o texto como líquido
também é óleo,
desferruja.

segunda-feira, 4 de março de 2013

indolor

ser sem memória
move-te
em teu ensejo
és fome infinita
de sentimentos
indomáveis.
renasce da dúvida
suor lançado
cabelos ao vento
dores à mostras
que são
crias tuas
tornam-se
poeira
de tua corrida
perturbada
vai-te em teu rumo
teu próprio tempo
que é sede
esporas gastas
a carne envergada
pêlos
liberta-te
pelo canto
de tua cavalgada
lança-te
ao combate
de teu caminho
cresça-te
pelo rugido
das marcas
atreladas
à alma.
corra
supera-te a velocidade
até o desmembrar
de tuas
partes
tu, meu desejo
seja o limite
do risco
e mais nada.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


uma mulher que escreve
dilata pelos poros 
e não se cabe
se doa
compartilha
se reparte 
se vicia
no gosto
da letra 
que escorre
nas vísceras.
vira um nó
de pele 
e escrita.
uma mulher que escreve
sempre peca 
em demasia
porque uma mulher que escreve
apenas cumpre
sua sina
de viver
pela poesia.

  

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Maré

na escrita
ritornelo
meu corpo
descoberto
é onda.
bate
ressoa
quebra
no espaço
interminável
do verso.
estrondo:
água na pedra
quebra
meu verbo
o habitante do meio
sem
fins
ou começos
nasce do avesso.
porque pulsa
por todo
o movimento
a água
que rasteja
pega areia
e volta
como o sangue
correndo dentro
não pára
e retorna
fluxo
vivendo nas veias
puxa como o mar.
por amar
somente
o não paradeiro.

de olhos fechados para qualquer farol
mergulho sempre no mais fundo.